MALI


MALI

Quando me perguntavam no Brasil se iríamos ao Mali na nossa viagem, eu respondia que não. Iríamos pela costa, o tempo todo. Todos que faziam a pergunta diziam que era perigoso, então ainda bem que eu não iria. Tivemos que mudar o plano inicial por causa das condições das estradas em função das chuvas. Passei a considerar o Mali como única alternativa para fugir de trechos que iriam ser incômodos demais. Conversei com alguns viajantes sobre segurança e estradas. Não haveria problemas. Os mais arrojados disseram que era possível viajar por tudo, mesmo com a presença de grupos rebeldes em confronto com tropas francesas mais ao norte. Segui o conselho dos conservadores e entramos tranquilamente pela fronteira de Massala, limitando nossa incursão ao oeste do país. Como o leste do Senegal já não era um exemplo de evolução e prosperidade, o choque na entrada não foi tão grande. Mas na medida em que avançávamos no país, a pobreza e a precariedade ficavam evidentes. Povo tranquilo e simpático, mas extremamente carente de tudo. Vegetação muito mais verde, relevo mais acidentado. Era clara a diferença de um país para o outro. Avançamos lentamente pelas estradas esburacadas e lentas em direção a Kita, único lugar em que o aplicativo do IOiverlander mostrava existir um hotel, ou algo próximo a isto. Tínhamos a tarde toda para ir da fronteira até lá, num total de 250 km. A cada hora que passava ficava claro que a velocidade média não passaria de 50 km/h. Chegaríamos lá no final do dia, se desse tudo certo. As crianças pareciam surpreendentemente calmas, a viagem toda. Ocas e construções improvisadas era apenas o que existia ao longo da estrada. Agricultores com técnicas 100% manuais, lavrando pequenas áreas que seriam lavadas pelas próximas chuvas, levando à perda de toda a plantação, nos deixava pensativos sobre o papel dos colonizadores franceses neste país. Um povo que já foi parte do primeiro grande império do oeste africano agora vive em condições de miserabilidade. Chegamos tarde em Kita e o melhor lugar para dormimos era o único que existia. Um hotel african style, não ocidental. Ofereceram o melhor quarto para nós logo na chegada, o VIP, com ar condicionado, sala e banheiro. Paredes verdes azuladas no melhor estilo africano. Não era sujo, somente estranho para nós. O chuveiro estava instalado, mas nunca tinha visto uma gota d’água. Tradicional bucket shower, o banho de balde/caneca. Mesma coisa para a pia. A água encanada ainda é um luxo por ali. Toda a água disponível fica em grandes baldes e dali vai para seu destino final. Como o quarto era VIP o preço foi o mais alto de toda a viagem, isto no meio do Mali e com conforto questionável. Jantamos no restaurante na frente do hotel, que somente descobrimos que era um restaurante porque constava no meu aplicativo. Mas a comida estava muito boa. E o dono do lugar foi incrivelmente atencioso. Enquanto esperávamos o jantar, marcamos o corte de cabelo do Guto no coiffeur do outro lado da rua. Movimentado, ficava aberto até as 22 horas e conseguiria nos atender dali uma hora. Preço: 500 CFA (R$ 4,00). Fomos todos juntos e viramos a atração da pequena vila. Os amigos do cabeleireiro chamaram todos seus conhecidos para ver a proeza que ali acontecia. O cabelo era liso demais. A técnica de corte com a máquina não funcionava como nos demais clientes. Eu já tinha me arrependido. O Guto seguia tranquilo. No final o resultado foi nota 5,5. Se a média fosse 5 o barbeiro estaria aprovado. Tudo questão de parâmetros...


BAMAKO


A chegada a Bamako foi diferente à de qualquer outra a uma capital federal. Ao invés de estradas amplas, para fingir que o lugar é desenvolvido, em Bamako não há esta pretensão. Demoramos quase uma hora para rodar menos de 15 km, num trânsito que tinha tudo de ruim: bloqueios completos por caminhões estacionados na pista, carros na contramão, buracos enormes, e gente, muita gente no meio da rua, onde desse. A ideia de construções grandes e imponentes, convivendo no meio da pobreza, apenas para satisfazer o ego dos governantes de plantão e dos ricos, aqui não existia. Estava limitada a uma zona muito pequena da cidade. Tudo era símbolo de pobreza. Poucas ruas asfaltadas. Muito lixo. Muita lama. Crateras para todos os lados. Muita sujeira. Esgoto a céu aberto. Milhares de motos andando no meio dos carros. Era ali mesmo a capital?! Mas havia uma aparente ordem em todo o caos. Nada de violência. Nada de insegurança, nem ali nem nas outras cidades por onde passamos. Circulamos livremente por todos os lugares. Sem qualquer receio. O único medo era ser atropelado, mesmo fora das ruas - os motoristas avançavam sobre os pedestres. E o único incômodo era lavar os pés toda vez que voltássemos para o hotel. Era impossível não pisar nas poças de água barrenta ou mesmo na lama. Como precisávamos ficar lá por 5 dias esperando o visto de Ghana, aos poucos fomos conhecendo mais a cidade, deixando nosso oásis para ingressar diariamente naquela bagunça. Sem querer, e sem acreditar, encontramos uma cidade para os grandes comerciantes e os funcionários públicos federais dentro daquela pobreza. Apenas no bairro onde estávamos, onde a infraestrutura urbana era mínima e tudo inspirava pobreza, mais de 5 restaurantes com cozinhas sofisticadas podiam ser encontrados. Discretamente localizado, um pequeno mercado só vendia produtos europeus de qualidade - não os restos de carros que a França manda pro Mali -, com vinhos e queijos franceses, sorvetes e bolachas alemãs, azeites espanhóis e portugueses. Tudo caro. Impossível para quase todos daquela cidade. Mas o que não estão neste grupo da imensa maioria miserável pode se beneficiar disto, independente do absurdo da desigualdade. Conversei com muita gente. Pobres e ricos. Taxistas, garçons, vendedores de rua, prestadores de serviços. Donos de restaurantes, de hotéis, mercados, funcionários de embaixadas. Queria muito saber sobre o Mali do dia a dia. Os cidadãos comuns, todos, me disseram gostar de viver naquele país. Nem se acham tão pobres. Não pensam que aquele lugar poderia ser diferente ou melhor. Os demais acham que o Mali é excelente para ganhar dinheiro, porque não existe nada ali ainda. Falei com muitos estrangeiros neste segundo grupo, libaneses sobretudo. Encaram as privações como um mal para enriquecer, sem aparente arrependimento por estarem lá. Funcionários de embaixadas de países europeus, responsáveis por um projeto de cooperação entre Mali e União Europeia, me confidenciaram que a situação de desenvolvimento é muito pior que anos atrás, estando o país em franco declínio. São visões diferentes de um mesmo lugar. Eu gostei do Mali. Não sei se pra voltar... Algumas das coisas que descrevi aqui somente ficam mais claras com a fotos da Michele.






















Melhor ver a foto apenas de frente

Bamako




















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