ETAPA EUROPÉIA


ETAPA EUROPÉIA

Cruzar a Europa da Alemanha à Espanha, passando pela França, mesmo que rapidamente, foi um começo excelente de viagem. Testamos a barraca do carro, os utensílios de cozinha, a geladeira, e tudo funcionou bem. O Dominik Winkler, austríaco que me vendeu o carro, deixou a LandCruiser pronta para chegarmos e sair rodando. Conhecemos lugares bonitos nos três países, vimos baleias no estreito de Gibraltar, cidades com ruínas romanas bem preservadas na Espanha, vilarejos tranquilos no sul da França, vinhedos impressionantes na região do Rio Moselle, na Alemanha, tudo em 19 dias que era para ter sido 12 no planejamento original, e que valeram bastante. Mas o que mais marcou foram as pessoas que visitamos neste trecho, que era pra ser um simples e rápido deslocamento, mas que se transformou em um começo especial de viagem.

KLAUS KREMS NO AEROPORTO DE FRANKFURT

Fazia menos de 1 ano que eu havia encontrado o Klaus na Argentina, numa viagem de moto pra San Miguel de Tucuman. Lá combinamos que, quando eu fosse pra Alemanha, ele iria até a Bavaria para uma cerveja. Eu já tinha ido de moto até a casa dele, no Paraguai, quando ele ainda morava lá, então um encontro na Alemanha, "nova" casa dele, seria bastante interessante, no exato lugar onde estaria a moto que ele conheceu em Caacupe, a mesma moto pra qual ele vendeu pneus pra serem usados na minha primeira viagem pra África, em 2016. Mudamos o plano da cerveja pra um café no aeroporto de Frankfurt, por problemas pessoais dele. Ele chegou na hora combinada, mas gastamos quase 4 horas na imigração alemã, por conta de um serviço completamente ineficiente e discriminatório que nunca vi em nenhum país da América Central ou do leste africano. Setor do aeroporto reservado a cidadãos não europeus e especialmente do leste da Europa. Foi ótimo para nos prepararmos para as lentas fronteiras que ainda virão e péssimo para a imagem que sempre tive dos alemães. Com o atraso sem tamanho e nosso trem para Nuremberg praticamente perdido, o Klaus deu um jeito para não errarmos nada no caminho de quase 20 minutos até a estação de embarque, nos levando pela mão até o trem, carregando nossas malas, só tendo tempo para um desejo de gute reisen. Danke schon Klaus.


ZU HAUSE BEI EDITH UND PETER – DEUSTCHLAND – ROTTENBACH


Na minha conta esta foi a 5ª vez que fiquei na casa do Peter e da Edith. Amizade da moto que começou em 1° de janeiro de 2012, quando conheci eles no Ushuaia. Eles estavam fazendo um giro na América do Sul, desde a Colômbia, e eu descendo de Curitiba até o fim da Ruta 3 na Argentina. Eles nos visitaram alguns meses depois em Itapema e Curitiba e nós fomos pela primeira vez para Rottembach no ano seguinte. Depois de eu já ter passado lá uma outra vez, o Peter ofereceu pra que eu deixasse minha moto na casa dele e fizesse uma manutenção importante na suspensão após a viagem pelo leste da África e o envio da GSA do Egito pra Grécia. Foi uma excelente oferta que transformou a casa dele numa base importante pras minhas viagens, como a de agora, onde nosso carro foi entregue pelo pai e pelo irmão do Domink, e a anterior, de junho de 2018, quando o Peter e a Edith fizeram de tudo para nos ajudar na viagem de motorhome com minha família (pai, mãe, filhos, esposa, afilhada). O Peter escolheu, negociou, conseguiu desconto, alugou, serviu de “avalista”, enfim, tudo relacionado ao Wonhmobile. A Edith nos ensinou como viver 25 dias na casa de rodas, como chamam os dinamarqueses, emprestando-nos alguns utensílios e outros gentilmente nos dando. Sem falar em receber 7 pessoas por 2 dias antes da viagem e por outros 3 no nosso retorno. Coisa de gente muito legal, incrivelmente gentil, solícita e cuja definição somente deve existir em alemão, porque em português não consigo descrever apropriadamente. Como daquela vez, agora fomos recebidos com uma atenção incrível, durante 4 dias, mas apenas 2 inteiros, que foi o quanto eu pedi pro Peter se eu podia ficar, pois o dia da chegada e o da saída não contam, assim eu expliquei pra ele...






































BERNKASTEL-KUES – MARIA FERNANDA E O COLÉGIO SUÍÇO BRASILEIRO NA ALEMANHA

Fomos conhecer a pequeníssima BernKastel-Kues, no oeste alemão, na região vinícola do Vale do Mosel, onde está estudando a Maria Fernanda, amiga de escola da Flavia no Colégio Suíço-Brasileiro. Durante 5 meses ela, a irmã e a mãe, e o pai em alguns períodos, estão morando e as duas frequentando a escola naquela cidadezinha. Chegamos ao meio dia para um piquenique na frente do Rio Mosel e já fomos recebidos não por uma, mas por duas famílias brasileiras, a da Maria Fernanda, e a do Geraldo, Vera e Guilherme e Juliana, também do Colégio Suíço. Em pouco mais de uma hora de almoço uma terceira família chegou – o Aguilar, a Francine e a Beatriz - também do colégio das crianças e, assim, sem uma combinação prévia detalhada, apenas a partir de um convite do André, pai da Maria Fernanda, 15 pessoas que moram na mesma cidade e estudam na mesma escola, mas que praticamente não se conheciam, puderam saber um pouco sobre as experiências de vida um dos outros e se conhecer um pouco. A tarde foi prazerosa e o piquenique evoluiu para um jantar na cidade vizinha, num restaurante que já era conhecido do André, onde fomos atendidos por um garçom sul-coreano que começou a trabalhar lá naquele dia. Garantia de todas as confusões possíveis.... Saí antes que todos do jantar porque o camping onde iríamos passar nossa primeira noite fechava às 22 horas e, na casa do André e da Renata, só tinha lugar improvisado para mais um, que já estava reservado para a Flavia. O café da manhã na casa deles foi nossa despedida dos Sá Santos, que nos receberam com todo o carinho e que, sem imaginar, conseguiram fazer um evento brasileiro na Alemanha, com pessoas relativamente próximas mas até então desconhecidas entre si.








VALLADOLID E OS PAUPITZ

Grande parte do trajeto da viagem na Europa foi pensado em função da Flavia. Com duas de suas melhores amigas morando temporariamente na Europa, em lugares quase que no nosso caminho até o Porto de Tarifa, fazia todo sentido passar para uma visita. E ao lado de Valladolid tivemos uma ótima passagem. A Flavia é muito amiga da Maele há quase 4 anos, estão na mesma sala de aula há todo este tempo, mas desde fevereiro estão separadas fisicamente. Tínhamos então que fazer as duas se verem por ao menos um dia. As crianças eram amigas mas os pais se conheciam somente da escola, o que não foi um obstáculo para os pais da Maele, o Alan e a Andressa, nos convidar para ficar na casa deles. Aceitei pela Flavia e acertei na decisão, porque conhecemos um casal maravilhoso, que nos acolheu como família e fez de tudo para nos agradar. Viajamos para conhecer uma plantação de lavanda, fomos a uma tourada de cidade pequena, visitamos fortificações romanas. E o Alan ainda teve tempo de executar meu projeto de prateleiras pra Landcruiser, depois de ter comprado todo o material antes da minha chegada. Na minha conta demoraríamos 1 hora para juntar todas as peças, mas o tempo foi passando e gastamos quase 3 horas na empreitada. Ele fez quase tudo. Ainda aprimorou o projeto e garantiu que até hoje tudo esteja em pé, algo que sei que não teria conseguido fazer sozinho.  
    

























"Amigas para sempre"
Presente da Andressa e da Maele pra viagem


A TOYOTA LANDCRUISER E O DOMINIK

Encontrei o anúncio da nossa Landcruiser no grupo Overlander Buy and Sell do facebook. Fazia tempo que eu pesquisava carros por lá e já estava com alguns em vista. O Dominik fez uma postagem com fotos do carro perguntando quanto a LC valeria uma vez que ele chegasse na Europa. A descrição da Toyota e dos acessórios era tão completa que era impossível que ele não soubesse quanto ela valia. Fiz o contato em dezembro de 2018 e ele falou que quando chegasse na Áustria, em fevereiro do ano seguinte, falaríamos sobre o carro, mas eu era o primeiro da fila. A incerteza sobre o envio do carro do Egito para a Europa fez com que ele preferisse esperar tudo dar certo para começar a negociar. Ele estava terminando a travessia sul-norte pelo leste africano, o que fez nós nos identificarmos prontamente, já que eu recentemente tinha percorrido o mesmo trajeto. A viagem dele iria durar 6 meses e era mais uma etapa de uma viagem de um ano e meio com sua namorada Daniela. Em fevereiro voltamos a conversar, embora o carro não estivesse ainda na Itália. Eu precisava definir o que faria, e tinha colocado o mês de março como deadline para a compra do carro, qualquer que fosse. Ele somente queria negociar com a LC já na casa dele. Minhas outras opções eram igualmente boas, mas a possibilidade de comprar um carro registrado na África do Sul, que naquele momento era meu destino preferencial, já que eu queria sair da Europa no verão para chegar ao Cabo das Agulhas no verão do hemisfério sul, fazia com que eu tivesse a paciência necessária para negociar conforme o tempo do Dominik.
Finalmente no fim de fevereiro o carro chegou na Áustria e fechamos negócio, depois de uma longa conversa sobre viagens e um pouco sobre o estado do carro. O Dominik se comprometeu a fazer todos os reparos necessários para que pudéssemos viajar tranquilos e assim que chegássemos na Alemanha. Antes do pagamento do sinal do negócio, porém, o Dominik passou por uma sabatina com o Peter, que achou melhor conversar em alemão com o cara que estava me vendendo pela internet um carro velho, a gasolina, com mais de 350.000 kms rodados, que eu nunca tinha visto. Meu amigo Tim Shaw da África do Sul também opinou e conseguiu o histórico de manutenções do carro nas concessionárias da Toyota e tudo parecia bem. O Peter achou o Dominik muito confiável e aprovou o negócio. A partir dali eu o Dominik conversávamos semanalmente sobre a evolução da manutenção e sobre viagens. Ele tinha 32 anos e iria viajar muito ainda. Estava indo bem nos seus objetivos de conhecer lugares novos. Precisava trabalhar um pouco, ganhar dinheiro e programar o próximo destino.
Combinamos que ele tiraria o adesivo com a bandeira da Áustria da porta do carro no mesmo momento em que eu adesivaria o logo da minha viagem. Um simbolismo de viajantes. Pedi pra mim o chapéu que ele usou na viagem da África e ele ficou de pensar. Gostava do chapéu. Só pedi porque gostei também. Em 4 meses de conversas sentia existir um começo de amizade entre nós.
Quando faltavam 3 semanas pro nosso embarque para a Alemanha, recebi uma ligação no whatsapp que pareceu inicialmente um trote, onde uma pessoa que sabia meu nome me perguntou se eu falava inglês e logo me disse que era irmão do Dominik, “a pessoa de quem eu queria comprar um carro.” Rapidamente pensei em dizer que eu já havia comprado o carro, mas a pessoa do outro lado disse que tinha uma péssima notícia, que o Dominik tinha morrido em um trágico acidente de carro e que fariam todo o possível para me entregar a Landcruiser, conforme combinado. Esqueci da ideia do trote e fiquei chocado com a informação, pois eu havia conversado com o Dominik no dia anterior. Senti um vazio enorme e a percepção da fragilidade da vida, a forma como ela rapidamente termina. Não pensei no carro, embora tenha pensado que minha viagem estava comprometida. A pessoa com que negociei não estava mais neste mundo. O carro estava já no meu nome, mas não comigo. Eu nem sabia onde o Dominik morava, mas nada disto importava. Ele tinha 32 anos e queria viajar muito ainda. Estava preparando meu carro para uma viagem que podia ser dele. Estava namorando com alguém que tinha viajado com ele por um longo tempo e queria estar pra sempre com ele. Tinha vários planos, tinha família, pai, mãe. Depois conheci o pai e o Christian, quando me entregaram o carro. O pai falava pouco inglês e meu alemão anda fraco, mas foi o suficiente para ele me dizer que antes tinha 4 filhos e, agora, somente 3. Triste. Mesmo assim, o combinado foi cumprido e recebi o carro na data certa, ainda que não das mãos do Dominik.




MAIS DE EUROPA....








































































          

Comentários

  1. Fantástico relato! E a viagem nem começou ainda. Estou ansioso pela continuação. Abraço e boa viagem!

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